Fernando Martins: Um Imortal e o Apendíce

Faleceu Fernando Martins, presidente do Benfica durante três mandatos (29-05-1981 a 23-03-1987).

Já tinha tentado ser o presidente do clube nas eleições de 1969 e 1977, acabando por derrotar Ferreira Queimado em 1981. Em 1983 derrotou outro ex presidente Jorge de Brito.

No seu percurso no cargo ficará conhecido um episódio, se não caricato pelo menos interessante: Durante o primeiro mandato, o seu estilo autocrático levou à demissão de vários elementos da direcção, tendo ele próprio apresentado demissão durante uma assembleia geral - voltando posteriormente atrás na sua decisão!

Foi o presidente da construção do fecho do terceiro anel da Velha Catedral, talvez levado pelo êxito das campanhas de Eriksson (a sua contratação é de facto de uma perspicácia e timing notáveis) e pelo aumento de afluência de sócios e simpatizantes.

Esta obra, permitiu a construção de catorze ginásios para a prática desportiva, a construção do velho museu e sala de troféus, de novos acessos ao balneários, de uma nova sala para a comunicação social, de elevadores de acesso ao camarote presidencial, da primeira loja do Benfica, de uma lavandaria... Que obra senhor Martins, que obra!

O fecho do terceiro anel foi o móbil de uma estratégia de promover o futebol a preços acessíveis, garantindo que uma grande parte dos associados pudesse assistir a todos os jogos disputados em casa. Deste modo as receitas iriam ser superiores às até ai auferidas.

No entanto, tal obra foi patrocinada pela saída de Eriksson, Chalana e Stromberg (e diz-se que por uma espécie de subsídio estatal!). A saída dos referidos jogadores mais o facto de outros estarem em final de carreira, ou tendo mesmo acabado como Humberto Coelho... Enfraqueceu a equipa que Martins não foi capaz de renovar em qualidade devido à sua muito apertada politica salarial.

Está associado, de igual modo, à conclusão do pavilhão Borges Coutinho, à remodelação da iluminação do Estádio da Luz e à construção do empreendimento Torres do Benfica.

Ficam para a eternidade as seguintes declarações que Fernando Martins proferiu aquando da inauguração do fecho do terceiro anel:

"Voltámos a confirmar que o Benfica não é apenas um clube, não é só uma enorme realidade desportiva, social e cultural. O Benfica é uma autêntica maneira de ser; uma forma definida de estar no mundo. Português, cheio de orgulho de o ser; consciente de que significa um modelo de civismo e esperança. Todas as malquerenças e todas as invejas, todas as atitudes menos claras e todas as torpes vontades de arremeterem contra nós encontram uma parede tão sólida e tão firme que faz desencorajar os mais audaciosos. Nós somos o Benfica. E isto diz hoje alguma coisa mais profunda que um simples enunciado de existência".

Campeão Nacional em 1982-1983/ 1983-1984 (co-Campeão do campeonato de 1986-1987). Vencedor da Taça de Portugal em 1982-1983, 1984-1985, 1985-1986 (co-vencedor das taças de 1980-1981 e de 1986-1987) e uma Super-Taça em 1984-1985. Presidente de grandes conquistas em outras modalidades como a medalha olímpica de António Leitão em 1984 (bronze na prova de 5000 metros, tendo sido batido por um tal de Said Aouita) e do Título de Campeão Europeu de Natação de Alexandre Yokochi (200 metros bruços).

Que coisa fantástica para turista ver e aprender sobre o que é ser do Benfica! 

Depois é que a porca torce o rabo... Aparentemente, manteve uma fraterna amizade com um dos grandes criminosos deste país até à sua morte. Diz-se que, enquanto presidente, criou uma espécie de pacto de não agressão com aquele "fartmaker", pacto quebrado para os lados do Benfica assim que saiu...

Expliquem-me como é possível que um Homem com este percurso faz/deixa acontecer uma coisa destas...

É um mistério que certamente terá uma explicação bem lógica. É um mistério que certamente terá algo a ver com a fuga inesperada de Rui Águas e Dito para o norte no final da época de 1987-1988 (pouco mais de um ano depois da sua derrota nas eleições).

Será que Fernando Martins guardou rancor ao Benfica pela derrota que João Santos lhe infligiu a 27 de Março de 1987 (51% vs 45% - restantes 4% pertenceram a Cavaleiro Madeira)? Será que o proferido "orgulho de o ser" e o tal "modelo de civismo e esperança" se transformaram em "malquerenças" e "atitudes torpes" por causa disso?

Terá o Benfica ficado reduzido, para ele, ao tal mero enunciado de existência? Ou haverá uma linda história para contar?

Como é possível que aquele criminoso tenha comparecido ao velório/funeral de um carismático presidente do Benfica... Um presidente associado à honestidade e ao trabalho árduo?

Como fico eu? Sinto-me que nem uma criança, que o conheceu como o primeiro presidente do Benfica, a quem roubam aquele delicioso chupa-chupa... Sem explicar porquê! Eu fico com a minha memória, que jamais poderá ser curta, atraiçoada. Vai ser um corte leve mas profundo que, se não for bem tratado, poderá desaguar numa ferida enorme e com consequências desastrosas...

Fernando Martins foi o meu primeiro presidente. Onde é que se pode encontrar desculpas ou um perdão para tudo isto?

Não obstante... Descansa em paz "Águia de Ouro (atribuída na Assembleia Geral de 16 de Março de 1984), e que a nova viagem te corra melhor numa estrada mais desimpedida...

E Pluribus UNUM

PS1: Estimado e actual presidente do Sport Lisboa e Benfica, alguma vez leu aquele pequeno excerto do discurso do falecido Fernando Martins que transcrevi ali em cima? Há ali uma exponencial energia de Benfiquismo... A tal coisa da mística, não concorda?

Se alguma coisa, e estou a generalizar, se pode aprender com Fernando Martins é que ganhar títulos é muito importante... E há alturas em que é mais importante do que fazer dinheiro com especulações.